Por casa…

O dia esteve quente e azul.
Apesar do apelo lá de fora, da quase textura suave e macia da brisa deste Verão prolongado, limitei-me a imaginar a praia ou o campo, com as suas cores e cheiros apelativos por certo… mas fiquei por casa.
 
Numa vontade quase frenética de me reorganizar, procurei  desfazer-me dos excessos que todos acumulamos nas nossas casas. 
 
Reorganizando o que nos cerca, será a forma de nos reorganizarmos por dentro também?
 
Mas cansava-me essa sensação frenética  que me fervilhava.
 
Procurei relaxar o espírito…
 
… percebi que essa sensação de aceleração desenfreada era talvez fruto de toda a pressão em que tenho vivido nos últimos meses, a correr de sítio para sítio, a querer abarcar mais do que afinal me é possível, quem sabe, necessário!…
 
Parei.
 
Apercebi-me da minha fome de casa vazia, arrumada, onde sei que ocupo os lugares todos, ou cada pedaço, com um prazer imenso e intenso, onde me sinto acolhida e aconchegada.
 
Para muitos, ficar em casa é quase castigo.
Para mim, uma necessidade.
 
Para alguns, talvez, uma forma de não viver, ou de viver menos… para mim, uma forma de me reencontrar.
 
Não que não possa fazê-lo lá fora, ou noutro espaço que me acolha de forma diferente, onde sinto tantas vezes essa fusão com a natureza e o consequente  bem-estar que a maioria de nós conhece.
 
… mas em casa, em certos dias, num aparente ficar quieta momentâneo, há como que uma abolição do mundo lá de fora e uma quebra no ruído que nos entontece e confunde…
 
…tenho lido que “meditar” nos conduz a invulgares estados de espírito.
Ainda não consigo a sabedoria necessária para fazê-lo.
Mas será esta necessidade de ficar em casa de vez em quando, uma forma de me permitir encontrar e fluir como ao pensamento e descobrir que no aparente “vazio” está a génese de tanta coisa?
 
…e dei comigo aqui, aquecida pelo espaço arrumado…
 
De certa forma parece-me que parei, para prosseguir.
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6 respostas a Por casa…

  1. Já começo a parecer uma tontinha com esta coisa de dizer, “pensei em si!”… mas pensei mesmo!
    Identifico-me muito consigo,Isabel, e com a forma como sente e entende a sua casa… hoje, “escrevi” uma cidade inteira… uma cidade que continha uma casa, entre outras, e a mim, entre tantos… senti que viajei muito mais longe ao escrevê-la do que alguma vez me distanciei fisicamente mas tendo a pensar que este tipo de viagem não depende inteiramente da nossa vontade… o ruído costuma afectar-me muito pouco porque tenho uma enorme capacidade de abstracção. A não ser que seja constante e altíssimo, posso dizer que quase nem o ouço a partir do momento em que ele me começa a incomodar. Há imensos garotos do CJ que poderão testemunhá-lo :)) mas gosto de me concentrar numa coisa ou numa pessoa que esteja perto de mim e, por vezes, as pessoas notam quando eu “desligo”. Até pensam que eu estou muito mais desligada do que na realidade estou…
    Volto à casa. Gosto – claro que gosto! – de a ver arrumada mas já fico muito contente quando não há dejectos, dos meus amigos de quatro patas, espalhados por tudo quanto é sítio. Por vezes canso-me de tal maneira e fico tão dorida a limpá-la e arrumá-la que chego a acreditar que, entre conseguir a abstracção necessária a um bom poema e a arrumação, prefiro a primeira. Nem sempre as duas coisas são compatíveis, pelo menos para mim.
    Não tenho indo até ao seu “Escrever por Dentro” porque ando a tentar escrever também “por fora” e levei algum tempo a adaptar-me ao encargo extra… e não estou a falar de estar contratada nem nada que se pareça! Apenas escrevo mais nas desgarradas que um amigo me deixa diariamente na caixa do correio e sinto que é tempo de tentar estar um pouco mais atenta ao momento histórico que estamos a viver. Sinto e sei que não tenho assim tanto tempo para estar por cá que me possa permitir desperdiçar este pedacinho de talento que penso ter e que me parece que talvez possa vir a enriquecer um nadinha a poesia em língua portuguesa.
    Talvez seja um exagero meu, mas penso assim e acredito que, desta forma, posso ser mais útil do que esforçando-me fisicamente… até porque os esforços físicos num organismo tão depauperado quanto o meu, têm fortíssimas consequências sobre a duração do meu tempo de vida e, por vezes, impedem-me de tratar os meus animais que já estão nos seus últimos tempos de vida com todas as consequências naturalmente trazidas pela senilidade.
    Estou para aqui a alongar-me como se estivéssemos em amena cavaqueira :)) e a Isabel também tem muito mais que fazer!
    A sua mãe já retirou o gesso? Penso que já o deve ter feito mas a minha percepção do tempo está muito diferente desde que escrevo na net…

    Um enorme abraço para si e o meu pedido de desculpas por andar tão “desgarrada” 🙂

    M. João

    • Que bom Maria João… gosto desta troca e dos aspectos que possamos ter em comum…
      …por certo, cada uma à sua maneira, mas com traços comuns que promovem uma aproximação e uma empatia agradáveis e dão bem estar…
      … e acho que a entendo bem quando dá a sua prioridade à poesia… e todos lhe ficamos gratos por isso! 🙂
      Quanto a estas “amenas cavaqueiras” também são momentos agradáveis… pena que não possam ser de presença viva de vez em quando!
      Bem gostaria, apesar de não dispensar esta proca de palavras escritras, sempre única.
      A escrita, a leitura são mesmo especiais. Fazem-me falta, mesmo para dizer aos amigos mais próximos e com quem passe o dia, coisas que não digo de outra maneira!… ou que, desta, simplesmente têm um gosto especial. É uma abertura, uma entrega e ao mesmo tempo, a permissão de uma liberdade que não tem par e que, não só permite o acesso a lugares bem recônditos de cada um de nós, como permanece… com a mutação necessária e intrinseca à nossa evolução.
      Bem haja a palavra!
      Beijinho
      Isabel

  2. Sei que já to disse muitas vezes, mas volto a repetir: Gosto tanto de te ler. Muito. Faz-me bem. E foi bom ler-te sobre esse teu espaço de aconchego. A casa é, também, o meu refúgio, como que o útero materno que me acolhe. Numa entrevista Mia Couto dizia:
    “Já me imaginei mal-amado, apartado daquilo que seriam os grandes grupos, os grupos da adolescência, e tinha de vencer isso. Venci em mim próprio o sentimento de que era um indivíduo que estava à margem (…)
    Somos uma família nuclear, os meus pais vão para África e quando nós nascemos não tivemos relação com tios, com avós. Começámos ali: A história começa com pai e mãe e nunca tivemos uma casa fundadora da nossa alma, da nossa memória, saltitámos de casa em casa. Lembro-me que tivemos 15 casas diferentes. Talvez precise dessa raiz, de alargar essa família. Esta casa é a ligação com a terra, a terra como lugar dos mortos que no meu caso não sei onde estão. Preciso reencontrar o lugar que me concede uma certa ideia do meu sagrado.”
    Tal como Mia Couto também não tive “uma casa fundadora da minha alma”. Não tive 15 casas diferentes, mas 10 na minha infância. Lembro-me, também, de saltitar de casa em casa, de lugar em lugar. Os meus filhos já estiveram em três casas. Espero que sintam esta como a sua casa, já que nem sequer uma família nuclear somos. Peço a Deus que, pelo menos, exista uma casa “fundadora da sua alma”. Acredito que sim. É aqui que está uma grande raiz, um lugar em que nos refundimos numa mesma alma. Onde paramos para prosseguir.
    Acredito firmemente que nesta tua paragem está a génese dos passos do teu encontro com tudo aquilo que está no mais fundo de ti. Muita felicidade neste teu novo caminho, amiga. Um abraço grande.

    • Minha querida… como fico contente com as tuas palavras aqui. As tuas e as que transcreves sempre tão oportunas, como se conhecesses sempre algo que “alguém” especial disse a este ou àquele propósito. É incrivel como sabes ir buscar cada frase, cada sentido, cada emoção tão bem expressa e dita…
      … e nesta minha casa que não é a primeira, nem sei se será a última, é apenas o espaço onde agora vivo… e onde me sinto aconchegada quando preciso. E preciso desse espaço muitas vezes… tranquilo, ou aberto às dúvidas, onde ria ou chore, onde estremeça ou me espanda, onde me aproxime ou afaste, onde me encontre ou me perca… me descubra e me espante!
      …a casa, esta casa que habito há quase 12anos, tem o privilégio para mim, de ser a primeira que considero minha, independente dos momentos de alegria ou desespero que possa já ter vivido nela… mas que me vai conhecendo os segredos… mesmo aqueles que não digo nem a mim mesma… porque afinal as casas sabem mais do que dizem… ou do que os outros possam tentar ler em nós… e guardam infindáveis segredos… Incríveis!
      Por isso a casa é um lugar tão íntimo. Espantoso, se quisermos… ou mesmo, se não quisermos!
      Um abraço enorme para ti, de quem gosto tanto e a quem agradeço tantos passos do caminho.
      Sim, este dia foi especial, e um marco. Quem sabe consiga escrever um post rápido que o retenha aqui… à espera, atento.
      Obrigada.
      Sempre,
      Isabel

  3. Foi aqui que eu tentei comentar – no dia em que recebi o link para este post – e fiquei completamente sem rede…
    Aprendi rapidamente que preciso de copiar o que escrevo antes de tentar publicar. Aprender, aprendi… o pior é que a memória nem sempre funciona e ainda fico sem alguns comentários…
    Pode acreditar que fiquei muitíssimo contente quando soube da sua decisão!
    Acredito que não vá ser fácil e que vá ter de alterar muitos dos seus hábitos de vida… mas tenho a certeza de que irá valer a pena!
    Desta vez vou ser bastante mais breve do que no comentário que se perdeu… tenho uma amiga – e o marido dela… – com uma virose e penso que também a apanhei… pelo menos tenho estado constantemente a espirrar e sinto alguns arrepios de frio… amanhã se verá 🙂
    Enorme abraço!

    Maria João

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